
Os fatos têm se repetido a cada governo que se estabelece na República desde há muitos anos. Era para ser um passaporte para identificar seus portadores como representantes diplomáticos de seu país. Entretanto, essa prática tem se estendido para pessoas sem qualquer vinculação ou serviço à diplomacia brasileira. O próprio bispo Edir Macedo recebeu passaporte diplomático nos governos de Lula e Dilma.
No governo Michel Temer, com fundamento em artigos do Decreto nº 5.978, de 4 de dezembro de 2006, foi expedida portaria pelo Ministério das Relações Exteriores regulando a concessão desses passaportes. Isso foi motivado pelo fato de que os filhos do presidente Lula teriam sido beneficiados com esse documento. Entretanto, inúmeros pastores passaram a receber esse privilégio porque o Itamaraty entendia aplicável o princípio da isonomia a outras religiões justificando que desde o império o Estado brasileiro concedia esses passaportes para altas autoridades da Igreja Católica. Portanto, segundo esse entendimento, se católicos já recebiam esse privilégio desde o Império, nada mais justo e isonômico que conceder aos líderes religiosos, e alguns nem tão líderes assim, o mesmo privilégio.
Todos sabemos que as razões não são estas. É mais uma acomodação para os pastores que se alinham e apoiam esses governos que retribuem esse apoio com o passaporte desejado. Afinal das contas, esse passaporte concede ao seu portador uma série de benefícios quando em viagem ao Exterior. Portanto, é um pagamento pelo apoio político emprestado ao candidato. Isso tem um nome em direito eleitoral, penal e administrativo, mas cabe a autoridade com essa atribuição tomar as providências cabíveis. Agora, Bolsonaro repetiu a prática de outros e beneficiou Edir Macedo com o presentinho desejado: a renovação de um passaporte diplomático que lhe facilita as viagens para o exterior e lhe abre as portas para não mais se submeter as regras de aduanas, filas, e tratamento comum dispensado aos comuns. Muitos desses passaportes tiveram seus efeitos suspensos por decisão judicial por desvios de finalidade e, assim, porque foram concedidos ilegalmente. Para justificar a concessão desses passaportes é preciso que o beneficiado pratique uma atividade continuada de especial interesse para o país para cujo interesse necessite da proteção adicional representado pelo passaporte diplomático. O que um pastor, ou qualquer representante de qualquer igreja, possa praticar alguma atividade de interesse para o país? Deve ser lembrado que o Brasil é um Estado laico. Ou seja, um país com uma posição neutra no campo religioso, tendo como princípio a imparcialidade em assuntos religiosos, não privilegiando nenhuma religião.
Concedido o passaporte ao bispo Edir Macedo, o Poder Judiciário, pela Justiça Federal do Rio de Janeiro, com base nesses princípios, cancelou os seus efeitos. O presidente tem dito que no que depender dele, vai ser mantido o passaporte. O que precisa ficar claro, no entanto, é que o exercício do poder não é ilimitado. Ele, poder, é exercido no limite da lei e qualquer ato praticado com desvio de finalidade é ilegal e como ilegal deve ser desconstituído. Não sendo assim, não é democrático e não é isso que desejamos para o Brasil.